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Irmãs deixam Alto Araguaia após serem acusadas pelas mortes de avô e mãe por Covid-19

Irmãs deixam Alto Araguaia após serem acusadas pelas mortes de avô e mãe por Covid-19

Data de Publicação: 23 de junho de 2020 14:57:00 Com a avó, de 68 anos, que também teve a Covid-19 e conseguiu se recuperar, elas se mudaram para um município em um Estado vizinho.

Por Esportes & Notícias\Com BBC News Brasil

Depois de perderem o avô materno Joaquim de Oliveira 74 anos e seis dias depois a mãe Lígia Suely Lopes, 42 anos, na cidade de Alto Araguaia por coronavírus, as irmãs Dalylla Lopes, 27 anos, Talytta Lopes, 22 anos e Samylla Lopes, 21 anos, foram embora da cidade. Elas deixaram o município, próximo à divisa com Goiás por não suportarem mais o preconceito que vinham sofrendo por parte da população. São acusadas de terem cumprido o isolamento social devido a pandemia e transmitido o vírus aos familiares, que acabaram morrendo.

Dalylla é a irmã que teria contraído o Covid-19 e transmitido aos familiares. Ela se recuperou do vírus assim como outros quatro parentes e diz que está sendo difícil a vida dela e das duas irmãs após as perdas na família.

“Disseram que fomos as responsáveis por levar o vírus para a nossa cidade. Recebemos muitas críticas. Isso tudo é muito triste”, comenta Dalylla.
“Estamos vivendo à base de remédios para dormir. A nossa vida nunca vai ser a mesma. Além das perdas, precisamos lidar com a falta de empatia das pessoas. Toda hora recebemos algum comentário maldoso nas redes sociais”, lamenta Talytta.

Em Alto Araguaia fala-se que o vírus foi contraído em um churrasco. Dalylla se defende e diz que foi a uma cidade vizinha apenas visitar uma amiga quando se contaminou. “Foi uma infelicidade muito grande. Eu estava de folga e decidi encontrá-la”, conta. A visita aconteceu em maio. Ela, no entanto, reconhece que não acreditava que pegaria a doença, achava que no máximo seria uma gripezinha.

“Não era um churrasco ou uma festa. Era apenas um encontro de amigas”, argumenta. No local, também havia uma outra mulher. “Ela era colega da minha amiga e tinha acabado de chegar do Sul do país. Ela deveria estar em quarentena, porque tinha voltado de viagem, mas estava lá.”

“Essa conhecida brincou com o meu filho durante o encontro. Pode ser que nesse momento ela tenha passado o vírus para ele”, diz Dalylla. Segundo Dalylla dias depois a conhecida testou positivo para a Covid-19. Foi o primeiro caso confirmado na cidade vizinha. Ela conta que dias depois começou a sentir problemas. “Tivemos febre e tosse, mas a princípio não demos importância. Passamos a desconfiar que poderia ser Covid-19 quando descobrimos que a mulher que havia testado positivo na cidade vizinha”, relata.

A mãe, os avós e a irmã do meio, Talytta, também apresentaram sintomas. A caçula, Samylla, e os dois filhos mais velhos de Dalylla não tiveram sintomas. “Desde os primeiros sintomas, ficamos em isolamento e comunicamos a todos que tivemos contato naqueles últimos dias. Como a minha mãe era da área da saúde, ela era muito preocupada com isso”, comenta Samylla.

Os principais sintomas de Dalylla foram a falta de ar e a tosse. “Eu fiquei muito mal, mas não cheguei a ser internada. Tive muito cansaço e dor de cabeça”, relembra. “Quando eu respirava, parecia que havia agulhas nos meus pulmões, porque doía muito”, diz Talytta. As duas foram tratadas em casa, com o intenso apoio da mãe.

Lígia era considerada pelas filhas como uma fortaleza. Ela era técnica de enfermagem, mas há alguns anos havia deixado a função para trabalhar em uma associação comercial de Alto Araguaia.

“A minha mãe sempre foi guerreira e muito protetora. No período da Covid, ela não se deixava abater. Estava sempre ajudando a gente”, diz Talytta.

O primeiro familiar a apresentar quadro grave foi o idoso Joaquim de Oliveira. Diabético, hipertenso, com problemas cardíacos e nos rins, ele teve intensa falta de ar, febre e foi levado ao hospital. Joaquim foi intubado, mas não resistiu. Ele faleceu em 26 de maio.

Lígia nunca soube da morte do pai. Ela foi internada no dia em que o idoso faleceu. Extremamente apegada a ele, os familiares optaram por contar sobre o falecimento somente quando ela melhorasse, para não prejudicar a recuperação dela. Porém, o quadro de saúde dela, que era hipertensa e tinha bronquite, se agravou cada vez mais.

“A minha mãe começou a ficar debilitada assim que meu avô piorou. Ela ficou abatida, porque sabia que meu avô não sobreviveria. Foi um choque para ela não poder fazer nada por ele”, diz Samylla.
Ao comentar sobre as mortes do avô e da mãe, Dalylla admite que se sente culpada. “É um culpa que vou ter sempre comigo, porque eu fui à casa da minha amiga aquele dia. Me sinto culpada porque isso custou a vida do meu avô e da minha mãe. Me sinto culpada por estar viva. É uma sensação muito ruim”, relata, aos prantos.

“Eu sei que não fiz por querer. Não fui para uma festa ou para um churrasco, como vejo muitas pessoas fazendo com frequência. Mas eu não deveria ter saído aquele dia. A minha cabeça está bagunçada. Eu fiquei ruim e me recuperei. Mas o meu avô não conseguiu se recuperar. A minha mãe, que cuidou de todos nós, também não. É muito difícil”, diz Dalylla, em meio às lágrimas.

Em conversa com a BBC News Brasil, Talytta explica que pediu desculpas por “todas as vezes que errou com a mãe”. “Filho às vezes não ouve os pais. Também me desculpei por estar longe nos últimos meses”, comenta Talytta, que estudava Medicina na Bolívia e havia retornado para Alto Araguaia em maio, em razão da pandemia do novo coronavírus.

O desespero de Talytta foi registrado pelo pai dela em uma sequência de vídeos que ele fez durante a cerimônia de despedida da ex-esposa, para compartilhar com os parentes que não puderam ir ao local — os velórios para vítimas de Covid-19 são limitados para evitar aglomerações.

“Ele colocou os vídeos em um grupo da família, para os parentes que não conseguiram se despedir da minha mãe, porque ela era muito querida. Logo as imagens foram compartilhadas para outras pessoas e começaram a dizer que eu estava chorando por ter passado o vírus para ela”, diz Talytta.

O vídeo viralizou. Diversas publicações afirmaram que se tratava de uma filha arrependida por ter infectado a mãe com o novo coronavírus, após ir a diversas festas. “Começaram a ofender e criticar muito a gente. Isso é horrível. Não desejo para ninguém. Estamos sendo ofendidas em todos os lugares. As pessoas falam sem saber. Isso é desumano”, diz Talytta.

Mudança

As irmãs contam que passaram a receber diversas críticas em Alto Araguaia, desde que foram os primeiros casos confirmados. Após a morte do avô e da mãe, elas contam que a situação piorou.

“Falta muita empatia. Aquela cidade, infelizmente, se tornou um peso para a gente. As pessoas nos olhavam com muito preconceito por lá, como se a gente tivesse culpa de cada caso de Covid-19. Mas nós nos isolamos logo no começo e informamos as pessoas com quem tivemos contato”, diz Talytta.

“Há uma rodovia movimentada que passa pela cidade, a BR-364, e por isso sempre há gente de outros lugares por ali. Hoje, já existem pessoas contaminadas que nunca tiveram contato com a gente. Mas ainda assim, pensam que somos as únicas responsáveis pelo vírus por lá”, afirma Talytta.

Depois da morte da mãe e do avô, as irmãs, que moravam em uma casa alugada em Alto Araguaia, decidiram se mudar. Com a avó, de 68 anos, que também teve a Covid-19 e conseguiu se recuperar, elas se mudaram para um município em um Estado vizinho.

Na nova cidade, tentam pensar sobre o futuro. Dalylla e Samylla abandonaram os empregos em Alto Araguaia. Talytta não quer retornar para a Bolívia.

“Quero ficar por aqui para cuidar das minhas irmãs e minha avó. Penso em cursar Medicina ou Enfermagem, em homenagem à minha mãe”, comenta Talytta. “Talvez eu faça odontologia, porque trabalhava como auxiliar de dentista”, diz Samylla.

Dalylla admite ter dificuldades para pensar sobre o futuro. “Não consigo fazer planos. Parece ainda que eu estou em um pesadelo e a qualquer momento a minha mãe vai voltar com aquele sorrisão dela e dizer que está tudo bem. Estou suportando tudo isso graças aos meus filhos, que dependem de mim”, diz.

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