Pai e filha morrem de Covid-19; da mesma família, 7 já testaram positivo para doença
Data de Publicação: 22 de junho de 2020 15:10:00 De acordo com a família, o pai de Lígia foi entubado e, na mesma noite, ela também foi e chegou a ser transferida para o Hospital Regional de Rondonópolis, onde Joaquim também estava internado.
Bruna Barbosa / RD News
Arquivo Pessoal |
A risada de Lígia Suely Lopes de Oliveira, de 43 anos, é lembrada pelas filhas, Samylla, Dallyla e Tallyta, como sua marca registrada, assim como o amor pelos três netos, José Pedro, João e Enio Junior. Na última sexta (5), Lígia virou número ao se tornar a 99ª vítima da Covid-19 dos então 223 óbitos em Mato Grosso. Com experiência como auxiliar de enfermagem, foi peça importante na cura de cinco dos sete familiares doentes.
Em 26 de maio, foi levada pelo Samu, mal conseguia falar. No entanto, as filhas pensaram não se tratar de uma despedida, expectativa que foi quebrada quando os médicos entregaram itens pessoais, como óculos e celular para a família.
Lígia precisou ser entubada no mesmo dia e foi levada para o Hospital Regional de Rondonópolis, onde ficou na UTI por 10 dias, até morrer. A mãe, o neto de nove meses, as três filhas e o pai Joaquim José de Oliveira, de 74 anos, foram contaminados pelo novo coronavírus. Joaquim foi a primeira vítima fatal da cidade.
"Estão querendo me entubar"
Samylla Lopes de Paula, de 21 anos, lembra que ainda chegou a receber a última mensagem da mãe pelo Whatsapp. No texto, Lígia disse apenas "estão querendo me entubar". A filha mais nova conta que ela, ainda em vida, dizia que não queria ser entubada. Como profissional da saúde, sabia dos riscos.
Depois disso, Samylla, que sempre foi super apegada à mãe, não conversou mais com Lígia. No mesmo dia em que foi entubada, o pai dela morreu, vítima da Covid-19 e ela sequer soube disso.
"Ela sabia que, provavelmente, ele não resistiria, mas não ficou sabendo da morte. Antes dela ser entubada, os médicos disseram que os rins do meu avô haviam paralisado. Ela comentou que ele teria mais 72 horas só. Ela já sabia que ele ia morrer. No dia seguinte, outro órgão parou. Ai ela já se entregou", lembra.
De acordo com a família, o pai de Lígia foi entubado e, na mesma noite, ela também foi e chegou a ser transferida para o Hospital Regional de Rondonópolis, onde Joaquim também estava internado. Enio conta que, assim ela chegou, o pai dela morreu.
Lígia e o pai tinham uma relação muito próxima, as filhas acreditam que iminência da morte de Joaquim tenha enfraquecido a mãe, que dias antes cuidou de toda a família. Samylla conta que ela deixou a própria dor de lado para acolher a família.
Mesmo se sentindo mal, Lígia cuidou das filhas, do neto e da mãe, que estão curados. Em uma mensagem de áudio enviada para a comadre antes de ser internada, ela chega a dizer que não havia uma parte do corpo que não estava doendo.
Lígia também desabafou que precisava continuar forte pela família e pediu para que a comadre redobrasse os cuidados. "Sei que você já se cuida, mas agora tem que redobrar. A doença vai direto para o pulmão. Estou tão desolada, durmo um pouco, acordo, fico pensativa. Parece que estou vivendo uma coisa de televisão, que é tudo irreal, que hora ou outra vamos voltar para a realidade, vão me avisar que acordei do pesadelo. Ontem amanheci tossindo muito, não tem um lugar no meu corpo que não doi. O pior é que tenho que ficar forte. Se eu baquear como ficam os outros, comadre? Que situação", diz na gravação.
Lembranças
As filhas contam que as melhores lembranças que guardam da mãe é o companherismo. Lígia estava sempre pronta para apoiar as filhas, fôsse saindo para se divertir ou na rotina diária. Para elas, a mãe tinha "alma jovem".
Há quatro anos, Enio e Lígia estavam separados, mas moraram juntos durante 23. Apesar de não se relacionarem como um casal, o ex-marido ressalta que ambos tinham uma relação de amizade e não poupa elogios para a pessoa que ela foi em vida.
"Era muito amável, muito legal mesmo. Estava sempre sorrindo. Trabalhou muito tempo na secretaria municipal de Saúde e o pessoal da cidade conhecia ela, ficaram todos impactados, estamos chorando até hoje. Ela não deixou de sorrir mesmo doente", conta Enio.
O ex-marido também fala sobre o amor que Lígia tinha pelos netos. Ele lembra que, quando casados, pensavam em ter um filho menino, contudo, tiveram três meninas. Anos depois, tornou-se avô de três meninos. Um deles chamava Lígia de mãe.
"Ele está com dificuldade para dormir, durante o dia ele segura um pouco [a tristeza], mas a noite sem saudade e chora. O de quatro anos hoje disse que eu não precisava mais chorar porque ela iria voltar. Está sendo muito difícil para todos nós", desabafa Samylla.
Diagnóstico gerou represálias
As filhas também lembram que, como foram os primeiros casos confirmados de Alto Araguaia, a família começou a sofrer ofensas verbais e serem vítimas de outras manifestações de raiva dos moradores da cidade. Samylla conta que, apesar de muitos terem ajudado Lígia, alguns julgaram a situação.
Elas reforçam que, mesmo após terem se recuprado, precisam lidar com comentários de outras pessoas. "Ainda olham estranho para a gente, alguns moradores da cidade desviavam da nossa casa quando passavam por aqui. Olhavam 'torto' para nós, é uma situação surreal", pondera Samylla.
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